5. A CULTURA COMO PONTE DE EQUILÍBRIO E COOPERAÇÃO
ENTRE A COESÃO, A DINAMIZAÇÃO ECONÓMICA E A
CRIAÇÃO DE EMPREGO
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O património cultural do Porto é um dos seus maiores activos. É rico tanto o
seu património material, que a classificação do Centro Histórico como Património daHumanidade reconhece simbolicamente, como o imaterial que se espelha, nomeadamente, no contributo da Cidade para a cultura nacional, nos seus mais variados domínios, das letras ao cinema, do teatro à arquitectura. O espírito empreendedor e pioneiro, que frequentemente se associa ao Porto, manifesta-se claramente neste domínio. Recorde-se, a título de exemplo, que foi na Cidade que foi fundado, em 1833, o primeiro museu de arte do País (o Museu Portuense, de que o actual Museu Nacional de Soares dos Reis é herdeiro juntamente com o Museu da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto), como também foi no Porto que surgiu, em 1762, o primeiro teatro lírico nacional (o Theatro do Corpo da Guarda). É também o Porto uma das primeiras cidades europeias a abraçar as maravilhas do
animatógrafo, primeiro pela mão do fotógrafo amador e pioneiro português do
cinema Aurélio Paz dos Reis (1896) e depois pela da iniciativa dos irmãos Neves e Edmond Pascaud de edificarem a primeira sala de projecções da Cidade (High-Life, 1906), e é no Porto que está sedeado aquele que foi o maior clube de cinema ibérico (o Clube Português de Cinematografia – Cine-Clube do Porto, criado em 1945). É ainda no Porto que se realizam, anualmente, o primeiro festival de teatro de expressão ibérica do mundo (o FITEI), há 30 anos, e, há 27 anos, um dos sessenta mais importantes festivais de cinema do mundo e o melhor na sua categoria, de acordo com a revista Variety – o Festival de Cinema do Porto (Fantasporto). Aqui viveram/vivem e trabalharam/trabalham alguns dos melhores criadores nacionais nas mais diversas áreas e algumas das melhores escolas ‘artísticas’, de que a Escola de Arquitectura é, provavelmente, o exemplo mais completo.
Numa cidade com história como o Porto, que busca afirmar-se com identidade própria na Europa e no Mundo das cidades, a cultura deve reassumir um papel nuclear na construção de pontes e equilíbrios entre diferentes domínios de actividade da Cidade. Da filigrana do seu tecido criativo, à solidez da sua revalorização estratégica enquanto Património Mundial, a política cultural deverá ser a matriz enformadora de uma cidade diferente, mais qualificada e competitiva.
Assim será no projecto “Porto para todos”.
Em primeiro lugar, é necessário quebrar de uma vez por todas o vazio de interacção que existe neste momento entre a política da Autarquia e os agentes culturais da Cidade. Temos claro que a Autarquia deve fazer muito mais e adicalmente algo de muito diferente pela cultura na Cidade, sobretudo no tocante ao papel de valorização económica e patrimonial da mesma. Mas temos também claro que, com essa nova política, é necessário conseguir que agentes da iniciativa cultural façam muito mais pela Cidade e pela sua afirmação.
Só uma nova liderança política que veja nos agentes da cultura actores e promotores de um projecto de mudança – e não adversários que é necessário reduzir à sua dimensão de candidatos a subsídios municipais – pode vencer o vazio deixado pela actual equipa camarária e criar as condições para uma nova relação virtuosa entre Autarquia e cultura.
Só uma liderança política que esteja mais interessada na promoção da diversidade, da criatividade e da capacidade de crítica da intervenção municipal e menos obcecada pela promoção da banalidade pretensamente popular pode ambicionar a uma nova dinâmica de participação dos agentes culturais no projecto colectivo de Cidade. É necessário refundar neste domínio o conceito de “interesse público” e repensar estrategicamente o investimento dos fundos – o orçamento – que o consagram, entrando num novo capítulo de Governação nesta área. A actividade cultural, como outros bens essenciais, da Saúde à Educação, não pode estar sujeita às regras de mercado; o corolário do recente desastre neo-liberal – provocado pela cega crença na autoregulação dos mercados e no demissionismo político em áreas estratégicas para a coesão e prosperidade sociais – é claro: a promiscuidade entre o interesse público e os interesses privados traz, por maioria de razão, a delapidação do primeiro e o lucro artificializado do segundo.
Neste projecto, a cultura é entendida como um acto primeiro e nobre de cidadania, presente e ao serviço de processos tão diversos como a valorização das condições de educação e qualificação da população, a renovação do associativismo local, a criação de novas actividades e novos empregos urbanos, a atracção de novos públicos e residentes à Cidade, o contributo para uma nova e mobilizadora marca identitária dos Portuenses.
Entendida nesta perspectiva, a cultura não só constitui um instrumento poderoso de inclusão e de cidadania, mas representa também uma oportunidade de geração de novas formas de criação de valor económico e seguramente um suporte indispensável à fixação de empregos mais qualificados.
Para concretizar este desígnio, impõe-se organizar em rede todas as suas manifestações, das mais sofisticadas às mais populares, dos espaços mais alternativos às manifestações lúdicas de rua, estimulando aliás, mais genericamente, o desenvolvimento de uma cultura em rede com todos os cidadãos, segundo um modelo em que a Autarquia é parceiro fiável e pró activo de aventura e de aposta.
Só um modelo deste tipo pode quebrar as barreiras entre o Porto velho e o Porto novo, o Porto popular e o Porto cosmopolita, o Porto vivido e o Porto representado.
O que é importante sublinhar é que existem no terreno exemplos de práticas
pioneiras que já evidenciam a existência de pontes entre os actores da cultura
de excelência e internacionalizada e as populações e espaços da Cidade que é
necessário recuperar por via de uma política pró-activa de coesão social e
territorial.
É necessário que a Autarquia integre essas práticas pioneiras de descida das principais instituições culturais da Cidade ao terreno, potenciando-as, dando lhes visibilidade e integração, contratualizando objectivos específicos em termos de públicos e espaços (escolas, bairros, associações, etc.) a envolver nessas iniciativas.
Há, pois, condições para que a excelência da Casa da Música, de Serralves, do Teatro S. João, do Museu Soares dos Reis e outros mais não constitua apenas um factor de internacionalização, diferenciando competitivamente a Cidade num contexto em que é necessário gerir as complementaridades e sinergias com uma Área Metropolitana e uma região cada vez mais ricas e diversificadas em termos de ferta e dinâmicas culturais locais. É necessário trabalhar as oportunidades e as experiências em curso de colocação dessas instituições ao serviço da coesão social, construindo novas pontes de cooperação com as restantes instituições culturais e cívicas da Cidade e envolvendo públicos cada vez mais alargados.
Por outro lado, existem hoje no Porto dinâmicas e competências desenvolvidas nos vários níveis de ensino, em particular o universitário e o politécnico, que se revelam importantíssimos alfobres de jovens competências que
deverão encontrar no Porto, na sua dimensão cultural local mas também internacional, o espaço adequado ao cabal aproveitamento das suas potencialidades e valias individuais, colectivas e institucionais.
O projecto “Porto para todos” aposta, assim, num quadro programático para a cultura que integre estas preocupações mais vastas e que não poderá deixar de ter implicações na própria estrutura do Executivo Municipal e nas prioridades da sua intervenção, sobretudo ao nível da transversalidade com as políticas de qualificação do emprego e de habitação e de urgente regeneração e aumento de competitividade.
Eis as principais frentes que organizam esse quadro programático:
1. Valorizar a actividade criativa e cultural existente e favorecer a emergência de novas iniciativas:
Apoiar os projectos desenvolvidos na Cidade, sobretudo ao nível das infraestruturas – por exemplo, criar espaços na programação das salas de espectáculos municipais (TeCA, Rivoli, Mosteiro S. Bento da Vitória, auditórios dos bairros sociais), destinando-os a actividades de grupos locais devidamente seleccionados (por concurso), e facilitar o acesso desses grupos e de projectos artísticos aos equipamentos;
_ Constituir, com apoio privado, um fundo de apoio capaz de auxiliar o desenvolvimento do Museu de Soares dos Reis, o qual poderá ter um papel importante na reabilitação do movimento artístico que no Porto se foi desenhando desde finais de oitocentos;
_ Expandir a actividade do Museu da Macieirinha, por forma a integrálo na gestão coordenada de um circuito urbano que se desenrole no tinerário do Porto Romântico (Cordoaria, Soares dos Reis, jardins do Palácio e respectivo centro de exposições na Biblioteca Almeida Garrett, Casa Tait, etc.), o que teria ainda a vantagem de apoiar indirectamente as galerias privadas da zona de Miguel Bombarda;
_ Incentivar a criação/recuperação de uma rede de pequenos cinemas de Bairro que, entregue a privados para gestão, por concurso bienal, permita promover a distribuição independente e o visionamento das cinematografias europeias e outras que escapam ao controlo quase absoluto dos monopólios (esta acção deveria ser articulada com o apoio à Casa Museu Manuel de Oliveira e com o projecto de criação de uma filial da Cinemateca com gestão utónoma);
_ Promover a reabertura do Museu da Literatura, articulando a sua acção com instituições (Fundação Eugénio de Andrade ou Casa de Guerra Junqueiro, não esquecendo outras congéneres de âmbito nacional), de forma a garantir a preservação do espólio dos grandes escritores portuenses e uma divulgação dinâmica das suas obras;
_ Apoiar projectos de ocupação e recuperação de espaços em declínio ou devolutos para actividades criativas e culturais;
_ Criar serviços organizados de apoio ao empreendedorismo cultural, promovendo designadamente a facilitação dos processos legais associados às actividades criativas e culturais e disponibilizando serviços de orientação jurídica;
_ Criar condições para a consolidação e agilização das iniciativas comuns de maior relevo (por exemplo, no caso de Miguel Bombarda, apoiando a gestão integrada da área: fechar a rua ao trânsito nos Sábados de inaugurações, dinamizar actividades de animação cultural paralelas às galerias, fazer obras de renovação nos passeios).
2. Favorecer a inovação e apoiar o desenvolvimento de públicos:
_ Apoiar projectos inovadores e experimentais, através da cedência de espaços e equipamentos ou da contratação de serviços;
_ Promover uma programação cultural regular destinada às camadas sociais mais desfavorecidas, quer desenvolvendo projectos artísticos nas zonas mais desfavorecidas (bairros sociais, Centro Histórico, etc.), quer encaminhando estes públicos para as zonas mais ricas em actividades criativas e culturais (disponibilização de bilhetes para spectáculos, criação de uma estrutura flexível que permita enquadrar a ligação das escolas aos equipamentos culturais: visitas de estudo, realização de workshops, etc.);
_ Favorecer a ligação das actividades criativas e culturais a outros sectores de actividade económica, promovendo parcerias e captando novos públicos.
3. Promover a criação de redes e a visibilidade da actividade criativa e cultural da Cidade:
_ Apoiar a consolidação de redes entre os diversos agentes (empresas, equipamentos culturais, universidades e públicos) e a ligação entre estas e outras redes nacionais e internacionais;
_ Apoiar a mobilidade nacional e internacional das iniciativas;
_ Apoiar a divulgação das actividades criativas e culturais desenvolvidas através das várias edições da CMP (revistas, site, etc.) e associadas (agendas culturais, guias turísticos, etc.);
_ Destacar nos roteiros turísticos as zonas onde as actividades criativas e culturais se desenvolvem;
_ Promover e apoiar a realização de grandes eventos conjuntos (feiras, festivais, mostras...), contratando artistas e agentes locais na prestação dos diversos serviços implicados e programando estas actividades entre espaços habituais (teatros, Palácio de Cristal...) e não-convencionais (Torre dos Clérigos, bairros sociais, equipamentos municipais como cantinas, por exemplo);
_ Integrar o trabalho dos grandes nomes da cultura portuense e a sua nternacionalização no projecto de afirmação cultural da Cidade, promovendo oportunidades e meios de contacto entre tais personalidades e os jovens criadores emergentes da Cidade.
4. Relevar o Património Edificado (e o seu valor histórico e afectivo) na requalificação e aposta nos aspectos estratégicos e distintivos da Cidade – planeamento, urbanismo e actividades económicas.
_ Levantar e classificar “peças degradadas” de valor histórico, arquitectónico e urbanístico inegáveis e sua requalificação estratégica através de um programa político transversal, capaz de reforçar âncoras e/ou (re)criar centralidades;
_ Criar roteiros turísticos distintos e qualificados, dinamizadores da actividade micro-económica através da relevação do património edificado e sua integração no planeamento e regeneração de uma “nova Cidade” (ex.: Mercado do Bolhão);
_ Relevar o “Porto Património Mundial” como ferramenta essencial de energia interna da Cidade, catalisadora da sua auto-estima e relação estratégica com o exterior – Alto Douro, Minho e Galiza; aposta na qualificação, com políticas integradas como o planeamento, urbanismo, turismo e actividades económicas; aposta na atractividade da Cidade para investimento privado;
_Lançar programas, em articulação com a Igreja Católica, que permitam a requalificação do valioso património religioso e a organização de roteiros e programas culturais integráveis no perfil de valorização patrimonial, cultural e artística da Cidade.
in PORTO para TODOS de Elisa Ferreira _ pag. 45